A
Guerra Espacial e Tecnologia espiã
Era março de 1946. O mundo
ainda se recuperava da Segunda Guerra Mundial. Winston Churchill, recém-saído
do cargo de primeiro ministro britânico, discursava em Fulton, Estados Unidos:
"Desceu uma cortina de ferro que corta o nosso continente". Com
virulência, Churchill atacava o comunismo em resposta a outro discurso, o de
Stalin, que por sua vez considerava o capitalismo uma ameaça à paz mundial.
Estava deflagrada uma guerra jamais declarada oficialmente mas que, durante
quase cinqüenta anos, dividiria o mundo em dois blocos e que em vários momentos
ameaçou exterminar a humanidade: a Guerra Fria.
Mas essa mesma tensão gerada pela queda de braço entre capitalistas e comunistas também impulsionaria a ciência e a tecnologia de um modo jamais visto durante toda a história humana. Testemunhas da importância do conhecimento científico na Segunda Guerra, Estados Unidos e União Soviética sabiam que não poderiam prescindir desse poder que auxiliou a máquina de guerra nazista e que foi fundamental na criação da bomba atômica. Entretanto, não só a indústria bélica foi beneficiada. O computador que você tem agora à sua frente; a Internet, rede em que esta reportagem foi publicada; o seu relógio digital e até a viagem do homem à Lua são, de certa forma, frutos dessa Guerra. Tecnologias das mais variadas áreas foram influenciadas por ela.
Sem a ameaça do bloco adversário, o desenvolvimento de satélites e foguetes se daria em outro ritmo. Há quem acredite que sem a constante sombra do Kremlin, os Estados Unidos sequer se interessariam pelo desenvolvimento de foguetes. Isso porque muitos militares do alto escalão americano acreditavam que os aviões bombardeiros eram o transporte ideal da grande vedete do setor bélico: a bomba atômica. Deslumbrados pelo grande poder destrutivo da bomba, demonstrado em Hiroshima e Nagasaki, os militares concentrariam esforços, e dinheiro, no desenvolvimento de artefatos nucleares, deixando descobertos outros setores de pesquisa. Mas os avanços dos foguetes soviéticos não deixaram os EUA dormirem no ponto.
Os embates deram-se como numa partida de xadrez, em que cada movimento de um dos lados era seguido de uma resposta, quase que imediata, do oponente. O primeiro lance foi dos Estados Unidos, que já em 1946 fez um teste nuclear no Atol de Bikini, no Pacífico. A repercussão mundial levou o estilista francês Jaques Heim a batizar seu maiô de duas peças com o nome do atol. A URSS recebeu o recado e, em 1949, já testava o seu primeiro artefato nuclear.
Mas essa mesma tensão gerada pela queda de braço entre capitalistas e comunistas também impulsionaria a ciência e a tecnologia de um modo jamais visto durante toda a história humana. Testemunhas da importância do conhecimento científico na Segunda Guerra, Estados Unidos e União Soviética sabiam que não poderiam prescindir desse poder que auxiliou a máquina de guerra nazista e que foi fundamental na criação da bomba atômica. Entretanto, não só a indústria bélica foi beneficiada. O computador que você tem agora à sua frente; a Internet, rede em que esta reportagem foi publicada; o seu relógio digital e até a viagem do homem à Lua são, de certa forma, frutos dessa Guerra. Tecnologias das mais variadas áreas foram influenciadas por ela.
Sem a ameaça do bloco adversário, o desenvolvimento de satélites e foguetes se daria em outro ritmo. Há quem acredite que sem a constante sombra do Kremlin, os Estados Unidos sequer se interessariam pelo desenvolvimento de foguetes. Isso porque muitos militares do alto escalão americano acreditavam que os aviões bombardeiros eram o transporte ideal da grande vedete do setor bélico: a bomba atômica. Deslumbrados pelo grande poder destrutivo da bomba, demonstrado em Hiroshima e Nagasaki, os militares concentrariam esforços, e dinheiro, no desenvolvimento de artefatos nucleares, deixando descobertos outros setores de pesquisa. Mas os avanços dos foguetes soviéticos não deixaram os EUA dormirem no ponto.
Os embates deram-se como numa partida de xadrez, em que cada movimento de um dos lados era seguido de uma resposta, quase que imediata, do oponente. O primeiro lance foi dos Estados Unidos, que já em 1946 fez um teste nuclear no Atol de Bikini, no Pacífico. A repercussão mundial levou o estilista francês Jaques Heim a batizar seu maiô de duas peças com o nome do atol. A URSS recebeu o recado e, em 1949, já testava o seu primeiro artefato nuclear.
Na década de 50, a disputa
ganha o espaço sideral com os soviéticos saindo na frente. Em agosto de 1957,
eles lançam seu primeiro míssil balístico intercontinental, o R7. Provavam
assim que poderiam atingir os Estados Unidos sem decolar um único avião nem
deslocar tropas de seu país. Com a mesma tecnologia já eram capazes de colocar
um objeto em órbita e foi o que fizeram dois meses depois. Em outubro daquele
ano, o mesmo foguete levou o Sputnik, uma esfera pouco maior que uma bola de
basquete que entrou em órbita espalhando um sinal intermitente pelo espaço,
tornando-se o primeiro satélite artificial do mundo. Em dezembro de 1957, os
EUA responderiam com o Minuteman, carro chefe de uma safra de mísseis
intercontinentais desenvolvidos na América (Atlas, Titan e MX, este apelidado
ironicamente de Peacekeeper, "o mantenedor da paz"). Mais irônico ainda é que
o desenvolvimetno de mísseis balísticos dos dois blocos foi herança de um
ex-inimigo comum: a Alemanha Nazista. Logo após o fim da Segunda Guerra, soviéticos
e americanos cooptaram o que puderam dos espólios científicos da Alemanha
Nazista. Entre cientistas, projetos e relatórios de pesquisa, aproveitou-se
muita coisa do V2, o potente foguete com o qual Hitler atormentou os
britânicos, lançando mais de 3 mil unidades em direção à Inglaterra durante a
Guerra.
Completando a primeira década da
era espacial, uma das principais contribuições científicas da Guerra Fria viria
em outubro de 1958 com a criação de uma das mais ilustres filhas do conflito: a
NASA, a agência espacial norte-americana. Beneficiária do investimento
americano na corrida espacial, a agência encabeçou os principais feitos
espaciais do ocidente. Foi ela a responsável pelo projeto Apolo que levou o
homem à Lua, em 1969; a resposta americana ao passeio, em 1961, de Yuri
Gagarin, o primeiro homem a orbitar a Terra.
É
também da NASA o primeiro satélite de comunicações do mundo, o Echo 1, que
girou em volta de nosso planeta em 1960 repassando sinais entre duas estações
de rádio no solo. Lançado em 16 de agosto, ele tinha capacidade para transmitir
12 ligações telefônicas simultâneas ou um canal de TV. Dois anos depois, a
empresa AT&T lançava o Telstar, um satélite de comunicações que podia
ampliar o sinal que recebia. E em 1964, os Jogos Olímpicos de Tóquio entraram
para a história como os primeiros a serem transmitidos para o mundo
via-satélite.
Mas os satélites artificiais também teriam outra
utilidade. Em 1960, os EUA lançaram o Corona, um satélite espião que retornou
com fotos do território soviético tiradas de 160 mil metros de altura. Na
época, ele foi rebatizado com o nome de Discoverer 14 e foi divulgado que se
tratava de um aparelho científico para tentar dissimular seus objetivos
militares. As futuras gerações do Corona lançariam cápsulas com filmes no ar,
temendo uma possível captura do equipamento pelos soviéticos. As cápsulas eram
então recolhidas em pleno ar por aviões. O advento das imagens digitais
permitiu o envio imediato das imagens à terra, tornando os Coronas obsoletos. Os
satélites atuais utilizados na agricultura, meteorologia e em diversas outras
áreas devem muito à Guerra Fria que, investindo na espionagem, foi a maior
incentivadora das tecnologias de sensoriamento remoto. Até mesmo na
revolução eletrônica, que se daria na segunda metade século XX, houve o dedo da
desavença entre capitalistas e comunistas. Já em 1948, as enormes válvulas
utilizadas nos computadores foram substituídas pelos transístores. Só que, com
o aumento da complexidade dos circuitos e com a miniaturização cada vez maior
dos equipamentos, tornava-se cada vez mais difícil fazer a conexão entre os
transístores. A solução veio graças a milhões de dólares injetados pelo
Departamento de Defesa americano em empresas de eletrônica com o objetivo de
aumentar a precisão e a confiabilidade dos sistemas que guiavam armas como
mísseis e torpedos (veja siteda CNN).
Com a "ajudinha" do governo, Jack Kilby, da Texas Instruments, patenteou em 1958 uma invenção revolucionária: o circuito integrado. Todos os transístores ficavam conectados em uma única lâmina, ou chip, em inglês, componente hoje presente em relógios digitais, walkmans e até em estações espaciais. Em 1962, o chip de silício recebeu incentivo financeiro da Força Aérea americana, interessada em aprimorar o sistema de direcionamento de seus mísseis balísticos. Por volta de 1970, a Força Aérea já contava com chips em seus mísseis e o mundo com a base tecnológica para o surgimento do microcomputador pessoal que conhecemos hoje.
Foi o medo do holocausto nuclear que fez o mesmo Departamento de Defesa e sua Agência de Projetos Avançados de Pesquisa (ARPA, em inglês) criar uma rede de comunicação capaz de proteger informações em casos de guerra, a ARPANET, diz o jornalista e escritor Bruce Sterling. Interligando quatro universidades norte-americanas, a ARPANET estreou em 1968 com um conceito inusitado: dividir as informações enviadas em vários pacotes e fazer cada pedaço seguir um curso diferente. Assim, ainda que algum terminal ou linha fossem destruídos, a informação seria preservada e encontraria caminhos alternativos para chegar ao destino. Legítima descendente da ARPANET, a Internet que conhecemos hoje é também subproduto da Guerra Fria.
Entre as décadas de 70 e 80, outra invenção militar cairia nas graças dos cidadãos civis. Originalmente criado para orientar mísseis e guiar tropas por lugares ermos, o Sistema de Posicionamento Global (GPS, em inglês) é o resultado do investimento de 10 bilhões de dólares em uma constelação de 24 satélites. Comparando dados enviados pelos satélites e por bases terrestres, o aparelho, que pode ser do tamanho de um microcomputador de mão, fornece a latitude, longitude e altitude do usuário. Armas de última geração, como o míssil Tomahawk, utilizam o sistema para atingir seu alvo. Hoje, o GPS ajuda exploradores em terrenos selvagens, equipa embarcações, aviões e até carros de luxo nos quais, associado a mapas de ruas, guia motoristas fornecendo trajetos instantaneamente.
Outras invenções, apesar de terem surgido em indústrias bélicas, não nasceram com propósitos militares. Foi o caso prosaico do forno de microondas. Em 1946, Percy Spencer, cientista da Raytheon, fabricante de radares, percebeu que a barra de chocolate em seu bolso havia derretido depois que ele se aproximou de um magnetron - emissor de ondas magnéticas e coração de um radar militar. Graças a Spencer, em poucos meses a própria Raytheon já contava com um forno de microondas em sua cozinha. Em 1947, iniciou-se a comercialização do forno que, com 340 quilos e 1,70 metro de altura, só era utilizado em restaurantes e trens. Somente em 1955 o forno teria dimensões compatíveis com uma cozinha doméstica.
São tantas as invenções vindas da Guerra Fria que seriam necessárias várias páginas só para falar dos produtos da corrida espacial. Só para citar alguns: os aparelhos automáticos para medir pressão arterial encontrados nas portas das farmácias são a evolução de equipamentos desenvolvidos para astronautas, que precisavam de sistemas práticos para avaliar a saúde no espaço. A válvula de um novo tipo de coração artificial foi inspirada em uma bomba de combustível de foguetes. Marcapassos são monitorados graças à mesma tecnologia utilizada em satélites. E até a Fórmula 1, famosa por ser uma grande fonte de tecnologia, copiou dos trajes espaciais os macacões anti-chamas de seus pilotos. Detectores de fumaça e de vazamento de gás, tão comuns em construções hoje em dia, vieram de pesquisas de similares que equipam veículos espaciais. Também é graças ao espaço que os ortodontistas contam hoje com o Nitinol, uma liga que, por ser maleável e resistente, é muito empregada na fabricação de satélites e que agora também compõem os "araminhos" de muitos aparelhos ortodônticos. E até a asa-delta, quem diria, não foi invenção de esportistas mas de Francis Rogallo, projetista da NASA, que desenvolveu o aparato para guiar espaçonaves depois da reentrada na atmosfera. O inventor não imaginava que sua obra iria fazer muito mais sucesso como esporte, modalidade inaugurada na década de 70.
Tampouco Churchill imaginava que a Cortina de Ferro, que assombrou o mundo e quase acabou com o planeta, seria a motivadora de grande parte do avanço científico e tecnológico do século XX. E que a mesma ciência que continuaria desenvolvendo armas terríveis, também beneficiaria a humanidade com muitos de seus subprodutos.
Com a "ajudinha" do governo, Jack Kilby, da Texas Instruments, patenteou em 1958 uma invenção revolucionária: o circuito integrado. Todos os transístores ficavam conectados em uma única lâmina, ou chip, em inglês, componente hoje presente em relógios digitais, walkmans e até em estações espaciais. Em 1962, o chip de silício recebeu incentivo financeiro da Força Aérea americana, interessada em aprimorar o sistema de direcionamento de seus mísseis balísticos. Por volta de 1970, a Força Aérea já contava com chips em seus mísseis e o mundo com a base tecnológica para o surgimento do microcomputador pessoal que conhecemos hoje.
Foi o medo do holocausto nuclear que fez o mesmo Departamento de Defesa e sua Agência de Projetos Avançados de Pesquisa (ARPA, em inglês) criar uma rede de comunicação capaz de proteger informações em casos de guerra, a ARPANET, diz o jornalista e escritor Bruce Sterling. Interligando quatro universidades norte-americanas, a ARPANET estreou em 1968 com um conceito inusitado: dividir as informações enviadas em vários pacotes e fazer cada pedaço seguir um curso diferente. Assim, ainda que algum terminal ou linha fossem destruídos, a informação seria preservada e encontraria caminhos alternativos para chegar ao destino. Legítima descendente da ARPANET, a Internet que conhecemos hoje é também subproduto da Guerra Fria.
Entre as décadas de 70 e 80, outra invenção militar cairia nas graças dos cidadãos civis. Originalmente criado para orientar mísseis e guiar tropas por lugares ermos, o Sistema de Posicionamento Global (GPS, em inglês) é o resultado do investimento de 10 bilhões de dólares em uma constelação de 24 satélites. Comparando dados enviados pelos satélites e por bases terrestres, o aparelho, que pode ser do tamanho de um microcomputador de mão, fornece a latitude, longitude e altitude do usuário. Armas de última geração, como o míssil Tomahawk, utilizam o sistema para atingir seu alvo. Hoje, o GPS ajuda exploradores em terrenos selvagens, equipa embarcações, aviões e até carros de luxo nos quais, associado a mapas de ruas, guia motoristas fornecendo trajetos instantaneamente.
Outras invenções, apesar de terem surgido em indústrias bélicas, não nasceram com propósitos militares. Foi o caso prosaico do forno de microondas. Em 1946, Percy Spencer, cientista da Raytheon, fabricante de radares, percebeu que a barra de chocolate em seu bolso havia derretido depois que ele se aproximou de um magnetron - emissor de ondas magnéticas e coração de um radar militar. Graças a Spencer, em poucos meses a própria Raytheon já contava com um forno de microondas em sua cozinha. Em 1947, iniciou-se a comercialização do forno que, com 340 quilos e 1,70 metro de altura, só era utilizado em restaurantes e trens. Somente em 1955 o forno teria dimensões compatíveis com uma cozinha doméstica.
São tantas as invenções vindas da Guerra Fria que seriam necessárias várias páginas só para falar dos produtos da corrida espacial. Só para citar alguns: os aparelhos automáticos para medir pressão arterial encontrados nas portas das farmácias são a evolução de equipamentos desenvolvidos para astronautas, que precisavam de sistemas práticos para avaliar a saúde no espaço. A válvula de um novo tipo de coração artificial foi inspirada em uma bomba de combustível de foguetes. Marcapassos são monitorados graças à mesma tecnologia utilizada em satélites. E até a Fórmula 1, famosa por ser uma grande fonte de tecnologia, copiou dos trajes espaciais os macacões anti-chamas de seus pilotos. Detectores de fumaça e de vazamento de gás, tão comuns em construções hoje em dia, vieram de pesquisas de similares que equipam veículos espaciais. Também é graças ao espaço que os ortodontistas contam hoje com o Nitinol, uma liga que, por ser maleável e resistente, é muito empregada na fabricação de satélites e que agora também compõem os "araminhos" de muitos aparelhos ortodônticos. E até a asa-delta, quem diria, não foi invenção de esportistas mas de Francis Rogallo, projetista da NASA, que desenvolveu o aparato para guiar espaçonaves depois da reentrada na atmosfera. O inventor não imaginava que sua obra iria fazer muito mais sucesso como esporte, modalidade inaugurada na década de 70.
Tampouco Churchill imaginava que a Cortina de Ferro, que assombrou o mundo e quase acabou com o planeta, seria a motivadora de grande parte do avanço científico e tecnológico do século XX. E que a mesma ciência que continuaria desenvolvendo armas terríveis, também beneficiaria a humanidade com muitos de seus subprodutos.

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